Nesta quinta-feira, dia 11 de janeiro, a maior fraude da história do mercado de capitais brasileiro completa um ano. Na oportunidade, foi revelado um rombo de R$ 40 bilhões no balanço da Americanas, que envolveu fraudes e lançamentos indevidos. A consequência foi imediata. As ações da companhia que haviam fechado em R$ 12 despencaram para R$ 2,72 no dia seguinte (12 de janeiro) e, hoje, elas valem menos de R$ 1. Diante da situação, o Instituto Empresa reuniu investidores lesados e ingressou com uma arbitragem, na Câmara de Arbitragem de Mercado (CAM) da B3, que busca responsabilizar a empresa pelas perdas geradas. A iniciativa já obteve uma vitória, mas o imbróglio está longe do fim.
A vitória em questão se refere à decisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que determinou, por unanimidade, em julho de 2022, que a Americanas forneça a lista de acionistas ao Instituto Empresa, que vinha reunindo minoritários para se juntar ao processo de arbitragem. Na ocasião, a petição foi feita pelo escritório Mortari Bolico Advogados, que representa o instituto no processo. A determinação foi uma importante conquista para os investidores, pois a partir da listagem o Instituto teve condições de engajar mais pessoas que tiveram perdas de patrimônio por conta da fraude contábil da Americanas.
“Em se tratando de companhias de capital aberto e de investidores dispersos, somente a própria empresa (no caso, a Americanas) pode fornecer elementos que tornem possível a organização e reunião de eventuais lesados”, explica Adilson Bolico, que integra o Escritório Mortari Bolico, responsável pela petição promovida pelo Instituto Empresa, única medida em tramitação que busca indenização aos acionistas.
A lista havia sido solicitada inicialmente à própria companhia, no final de maio, porém a Americanas se recusou a fornecer o material. Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, lembra que além de não entregar a lista, a Americanas também determinou a derrubada do site www.indenizaamericanas.com, o qual buscava reunir pessoas para participarem do processo de arbitragem. “Trata-se mesmo de algo muito grave, porque fere o direito político dos acionistas exercerem suas pretensões e reclamações”, afirma Silva.
Regras
A propaganda vigente faz todo investidor acreditar que perder e ganhar investindo em ações na Bolsa de Valores é normal, mas não é bem assim. Existem regras que devem ser seguidas. Entre elas, a apresentação, por parte das empresas, de um balanço contábil elaborado de forma idônea e auditado externamente. A ideia é que os investidores tomem suas decisões com base em dados reais, positivos ou não, disponibilizados pelas corporações listadas na Bolsa. O importante é que as informações sejam verdadeiras.
A Americanas, no entanto, não respeitou essa regra. As práticas fraudulentas provocaram elevadas perdas financeiras aos acionistas minoritários que precificaram as ações de acordo com as informações disponibilizadas pela companhia. Há casos de pessoas que perderam a casa, grande parte do patrimônio e até o casamento. Isso, sem contar aqueles que tiveram prejuízos por investirem em fundos de renda fixa, teoricamente de baixo risco, que estavam expostos a dívidas das Americanas.
Além de responsabilizar a Americanas por não cumprir seus deveres de fornecer informações corretas ao mercado e pedir compensação aos acionistas, o Instituto Empresa e os investidores lesados pedem que os controladores sejam condenados por abuso do poder de controle. Mas a iniciativa não é simples e exige paciência, pois a legislação atual é muito superficial e tende a beneficiar os majoritários.
“Passado um ano da evidenciação das fraudes nas Americanas, apenas a B3 deu uma resposta minimamente satisfatória, com a exclusão da Companhia de índices e do Novo Mercado. A CVM, a despeito de seus esforços, gerará, no máximo, multas que revertem para a União. O Ministério Público Federal, até pela complexidade da matéria, tende a demorar anos para converter inquéritos em denúncias e, então, dar apenas início a um longuíssimo processo criminal”, explica Eduardo Silva.
Silva completa, dizendo que os investidores só podem, assim, esperar pela resposta da Arbitragem instaurada pelo Instituto Empresa que é a única via capaz de providenciar reparação pecuniária aos seus danos. “O que se pede é exclusivamente honestidade: se as ações foram vendidas a preços artificiais, cada acionista, cada fundo de pensão e cada fundo de investimento foi induzido em erro. E deve receber a diferença entre o que pagou e o que valia mesmo cada ação”, afirma.
Responsabilização das auditorias
Em novembro, o Instituto Empresa resolveu também ingressar com ação contra as empresas de auditoria externa contratadas pela Americanas. Na ocasião, a gigante do varejo publicou o balanço corrigido do último trimestre de 2022, revelando e retificando irregularidades contábeis já reconhecidas pela empresa.
O novo balanço confirmou que as auditorias não apontaram quaisquer ressalvas às contas da companhia por sucessivos resultados que podem mesmo se estender por uma década. A ausência dessas ressalvas – chamadas tecnicamente como ‘assuntos de auditoria’ – confirma que as auditorias, no mínimo, foram lenientes com as impropriedades graves praticadas por toda a companhia. Esse fato contribuiu diretamente para que os investidores fossem prejudicados.
O Instituto foca na proteção dos interesses dos debenturistas, particularmente dos gestores de fundos de investimento, que confiaram nas auditorias para suas decisões de investimento. “Dada a fraude evidenciada nos novos balanços, os gestores são compelidos a agir em defesa dos seus cotistas”, destaca Eduardo Silva.
O advogado Adilson Bolico enfatiza a necessidade de ação concreta dos gestores para obter ressarcimentos em episódios de fraude. “Vale destacar que a situação dos debenturistas é especialmente grave quando se trata de fundos de investimento. Os gestores baseiam-se, expressamente, para sua tomada de decisão em emprestar ou não dinheiro para a companhia, nos balanços e outros documentos auditados. Mesmo o Fundo Verde, conduzido por Luis Stuhlberger, reconheceu que foi enganado também pelo silêncio dos auditores”, afirma.
Para Bolico, há um problema estrutural: “a empresa auditada paga o auditor. Se o parecer não sai como esperado pelo controlador da companhia, a auditoria tende a sofrer pressões e ser substituída. É preciso evoluir para um modelo de maior distanciamento e efetiva imparcialidade.”