O Senado aprovou nesta quarta-feira (13/12) a indicação de Flávio Dino para ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A sabatina na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado durou cerca de dez horas e ele foi aprovado por 17 votos a 10. Depois, a indicação seguiu para votação no plenário, onde seu nome foi aprovado por 47 votos a 31.
Já o indicado para a vaga de Procurador Geral-República, Paulo Gonet, foi aprovado na CCJ por margem ainda maior. Recebeu 23 votos favoráveis e 4 contrários. No plenário, seu nome foi aprovado por 65 votos a 11.
Ambos foram indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), conforme prevê a Constituição.
A indicação de Dino sofreu maior resistência junto à oposição devido à sua trajetória política no campo da esquerda e forte antagonismo com o bolsonarismo à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, cargo que assumiu em janeiro.
Ciente dessas críticas, o indicado ao STF prometeu na sabatina atuar com “imparcialidade” na Corte. Ele enfatizou que, antes de se tornar político, foi juiz federal por 12 anos.
“A prática de juiz ensina um valor fundamental da legitimação da função judicante, qual seja, a imparcialidade, a equidistância em relação aos valores em conflito.”
Dino reforçou na comissão que sabe a diferença entre o papel dos políticos e dos juízes e argumentou que não seria correto prever sua atuação como ministro do STF a partir de sua trajetória na política. Antes de integrar o governo Lula, Dino foi parlamentar e governador do Maranhão.
Apesar da sua fala inicial se comprometendo com a imparcialidade no STF, o assunto esteve no centro da sabatina.
Líder da oposição, o senador Rogério Marinho (PL-RN) perguntou a Dino sobre seu antagonismo com Jair Bolsonaro (PL), lembrando que o indicado já chamou o ex-presidente de serial killer e de “o próprio demônio”.
E perguntou diretamente: “O senhor se sentiria impedido de julgar o seu inimigo declarado que é o Jair Bolsonaro como ministro?”.
Dino, porém, não respondeu, optando por reforçar sua trajetória anterior como juiz.
“Eu não conheço político que não seja combativo, mas claro que, quando você muda seu local de atuação institucional, evidentemente as características também se alteram”, respondeu.
“Lembro novamente que fui juiz 12 anos. A minha prática concreta nesses 12 anos ilustram bem que eu distingo muito bem a ética de cada profissão”.
Durante a sabatina, Dino também citou suas experiência como parlamentar e governador do Maranhão para firmar o compromisso de respeitar as decisões dos poderes Legislativo e Executivo na sua futura atuação no STF.
Ele afirmou que leis e atos administrativos só devem ser declarados inconstitucionais pelo STF “excepcionalmente”, “quando não houver dúvida acima de qualquer critério razoável”.
Além disso, se colocou contra decisões individuais de ministros que anulem leis aprovadas no Congresso. Foi um aceno à recente decisão do Senado de aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) — que ainda será analisada na Câmara — proibindo ministros do STF de derrubar leis com decisões individuais.
“Se uma lei é aprovada de forma colegiada, o desfazimento, salvo situações excepcionalíssimas, não pode se dar por decisões monocráticas”, disse.
Dino também reforçou seu respeito pela política. Destacou que como ministro do governo Lula recebeu 425 políticos de diferentes legendas e disse que manterá esse diálogo no STF.
“Não terei nenhum medo, nenhum receio e nenhum preconceito de receber políticos e políticas do Brasil, porque vossas excelências são delegatários da soberania popular”, afirmou.
“Independentemente das cores partidárias, terão idêntico respeito, como assim fiz na minha vida inteira.”
A sabatina é o momento em que senadores questionam o indicado sobre sua trajetória e pensamento jurídico, antes de votarem.
Esse processo, explica o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Wallace Corbo, garante que o Legislativo também participe da escolha dos integrantes do STF junto com o Executivo.
No entanto, ressalta o professor, “historicamente, a sabatina no Senado tem funcionado muito mais como uma etapa formal de aprovação do nome indicado pelo presidente do que realmente como uma análise profunda dos candidatos”.
Confira a seguir outros destaques da sabatina, em que Dino respondeu também sobre sua atuação no 8 de janeiro, regulação das redes sociais, crise da segurança pública, aborto e drogas.
Omissão no 8 de janeiro?
Um ponto central do embate entre Dino e a oposição explorado na sabatina é sua atuação — ou suposta omissão — na reação aos ataques de 8 de janeiro.
Sem apresentar provas efetivas, parte da oposição tem acusado o ministro da Justiça de ter intencionalmente falhado na proteção da Praça dos Três Poderes, com objetivo de facilitar a depredação dos edifícios públicos para desgastar o campo bolsonarista.
Um relatório alternativo apresentado pela oposição ao final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou o 8 de janeiro recomendou, inclusive, que Dino fosse indiciado criminalmente por essa suposta omissão.
Para fundamentar as acusações de omissão no 8 de janeiro, o campo bolsonarista cita, por exemplo, o fato de o Ministério da Justiça não ter acionado a Força Nacional de Segurança para proteger as sedes dos Três Poderes.
A questão foi trazida já no início da sabatina pelo senador Esperidião Amin (PP-SC). Dino respondeu que não poderia usar a Força Nacional sem prévia solicitação do governador do Distrito Federal, Ibanês Rocha.
“Eu não poderia promover uma intervenção federal porque, como eu disse, a forma federativa de Estado é cláusula pétrea, e não existe intervenção preventiva à luz do artigo 34 da Constituição, você só pode promover intervenção federal para reestabelecer a ordem pública. E, nesse caso, foi o que ocorreu”, argumentou.
“De modo que não houve inação, pelo contrário, eu me orgulho muito daquelas 12 horas. Foram 12 horas bastante intensas, em que de pé tomei as decisões possíveis embasada sempre na lei. Porque se eu não assim agisse estaria respondendo por abuso de autoridade, talvez nem aqui estivesse”, disse ainda.
Primeiro senador de oposição a questionar Dino, o senador Rogério Marinho perguntou ao indicado sobre o Ministério da Justiça não ter disponibilizado à CPMI todas as imagens registradas pelas de segurança da pasta no dia 8 de janeiro.
“Mais de 200 câmeras, apenas quatro foram apresentadas. E vossa excelência, de uma forma jocosa, disse que não era o autor, o condutor ou o gerente daquele contrato, então não tinha como apresentá-las”, criticou Marinho.
“Não obstante, vossa excelência foi o primeiro, no dia 8 de janeiro ainda, a fazer julgamento prévio sobre aquele evento, de que as pessoas que haviam depredado e barbarizado eram terroristas e precisavam ser combatidas como tal”, acrescentou.
Em sua resposta, Dino repetiu o que já vem respondendo sobre esse ponto. Disse que o contrato do sistema de segurança não prevê a preservação automáticas das imagens por longo período. Dessa forma, continuou, apenas as imagens das câmeras externas do ministério foram preservadas porque foram solicitadas pela Polícia Federal logo após os atos de depredação.
“As imagens externas foram todas entregues. Eu não sei de onde surgiu a ideia de que faltam imagens. Não, sobram imagens, inclusive as do Ministério da Justiça. Estão lá 160 horas mais ou menos de filmagens”, respondeu.
“Eu lembro que o Ministério da Justiça não foi invadido em nenhum momento (no 8 de janeiro). Grande parte das câmeras são por movimento. A PF considerou desnecessário (preservar as imagens internar) porque eram corredores vazios”, acrescentou.
Segurança pública
A atuação de Dino na área de Segurança Pública também foi abordada pela oposição na sabatina.
A área é sensível para o governo> segundo pesquisa do instituto Datafolha do início de dezembro, 50% da população avalia como ruim e péssima a gestão do governo Lula neste campo, enquanto 29% considera regular e 20%, ótima ou boa.
Rogério Marinho questionou a ida de Dino ao Complexo da Maré, conjunto de favelas no Rio de Janeiro (RJ), afirmando que o ministro teria entrado em uma área dominada pelo crime organizado sem segurança.
O ministro contestou essa fala, mostrando ofícios que enviou a diferentes órgãos de segurança comunicando sua ida ao Complexa da Maré, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Civil do Rio de Janeiro.
“Dizem que eu subi o morro. Não, não havia morro. Houve um ingresso em 15 metros, a partir da Avenida Brasil, atendendo a um convite, e eu tenho aqui os ofícios. Estão aqui”, mostrou.
“É claro que ali compareci e considero que é dever do cargo atender a todos os convites que venham da sociedade. Assim como me reúno com empresários, é claro que eu atendo a convites das pessoas mais pobres também e fiz isso a minha vida inteira e fiz com total segurança à minha integridade física”, disse ainda.
Já o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) questionou Dino sobre a falta de posicionamento do ministro da Justiça sobre o problema das narcomilícias no Rio de Janeiro, ou seja, “traficantes se aliando a milicianos, um poder paralelo inadmissível”.
Segundo o filho do ex-presidente, Dino não teria se manifestado sobre esse problema em outra ocasião que foi questionado por ele.
“E gostaria, de verdade, de ter ouvido naquele momento, do ministro da Justiça e Segurança Pública, uma resposta que levasse algum alento para os cariocas e fluminenses, que estão sofrendo muito por isso, e o senhor, lamentavelmente, me respondeu fazendo uma espécie de sinalização de que eu teria algum envolvimento com milícia, o que é uma grande fake news”, disse Flávio Bolsonaro.
Na resposta, Dino defendeu as ações que sua pasta adotou contra o crime organizado no Rio de Janeiro, como a operação Garantia da Lei e da Ordem nos portos de Itaguaí e do Rio e no aeroporto do Galeão, para combater o tráfico de armas e drogas.
“Com relação ao Rio de Janeiro, a resposta que nós demos, senador, foi prática, e não uma resposta retórica. É um Estado a que nós temos dedicado muita atenção, e o governador do Rio de Janeiro, que é do PL, tem reconhecido isso publicamente”, ressaltou.
Regulação das redes sociais
A posição de Dino a favor da regulação das redes sociais foi alvo de alguns questionamentos na sabatina.
“O senhor defende um controle dessas mídias que assusta os usuários, assusta quem vive, quem ganha o pão, ao divulgar conteúdos em redes sociais. E muitos estão até hoje, por decisão monocrática, sem ter o seu ganha-pão, com medo de postar alguma coisa”, criticou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), ao sabatinar Dino.
“O sintoma de que a democracia não está numa situação de normalidade, Senador Flávio Dino, são Parlamentares que têm que medir as palavras – da tribuna do Senado, da tribuna da Câmara dos Deputados – por receio de virarem réus, por receio de serem caçados, por receio de serem presos, como aconteceu com Daniel Silveira”, acrescentou o filho do ex-presidente.
Na resposta, Dino defendeu que qualquer negócio deve estar sujeito à regulação.
“Ora, se você tem uma atividade empresarial qualquer destinada ao lucro, qual não é regulada? Se alguém estabelece um comércio num shopping, tem regulação; se alguém abre uma farmácia, tem regulação; uma indústria também tem”, disse.
Para o indicado ao STF, a regulação das redes sociais tem objetivo de prevenir crimes, como o uso abusivo de inteligência artifical para interferir em eleições ou incitar suicídios entre os jovens.
“Então, é realmente um debate de vanguarda. E, veja, considero que é o debate jurídico mais importante do século 21, porque nós estamos no limiar do perecimento das condições de se realizar eleições com o abuso da inteligência artificial”, sustentou.
“Eu vi (nas redes sociais) jovens chantageando outros jovens, eu vi meninos chantageando meninas para praticarem atos de vilipêndio sexual. (…) Isto é ditatorial, tratar disto? Ou é preservar os valores mais sagrados que a civilização humana conseguiu erigir: o da vida, o da integridade física?”, reforçou.
Uso das redes sociais por Dino
Muito criticado por Dino por sua atuação da Lava jato, o senador Sergio Moro (União – PR) fez questionamentos em tom cordial ao sabatinado, sem revelar se votaria a favor ou contra sua indicação. Os votos para indicações são secretos.
Um dos pontos levantados por Moro foi o uso das redes sociais por Dino após a entrada no STF.
“Se vossa excelência for aprovado e se tornar, então, Flávio Dino ministro do Supremo, não mais Flávio Dino político, vossa excelência coloca que abandonaria esse jogo político”, disse.
“Como ficam as suas redes sociais, o seu Twitter, por exemplo? Vossa excelência também deixaria de atuar nas redes sociais?”
Dino respondeu que sabe os “sacrifícios” que terá que fazer em relação à sua vida política, comprometendo-se a não fazer comentários políticos nas redes sociais.
“Em merecendo a aprovação aqui na CCJ e também no plenário, é claro que eu deixo a vida política em todas as dimensões, inclusive nas redes sociais”, respondeu.
“Evidentemente, não opinarei politicamente sobre temas políticos, porque realmente isso é absolutamente incompatível.”
Dino acrescentou que pode vir a manter suas redes sociais.
“Nunca pensei nisso, porque cada dia tem a sua agonia, mas, a princípio, acho que temas jurídicos são bem-vindos, assim como também eu preciso de algum lugar para falar do Botafogo e do Sampaio Corrêa.”
Em sua fala, Sergio Moro também criticou Lula por não ter indicado uma mulher para a vaga de Rosa Weber, lembrando que o STF passou a ter apenas uma ministra, Cármen Lúcia.
“Sabemos do seu currículo, sabemos das suas qualidades, sabemos também que a sua indicação gera controvérsias e gera polêmicas, mas uma delas diz respeito à diminuição do número de mulheres no Supremo Tribunal Federal, e por parte de um presidente que sempre se colocou, pelo menos se dizia, preocupado com a diversidade de gênero”, disse Moro.
Dino, porém, não fez um questionamento direto a Dino, que optou por não comentar o tema.
Conservador sobre aborto e drogas?
Questionado sobre sua posição em temas controversos como drogas e aborto, Dino reforçou seu posicionamento contra decisões do Supremo nesse campo. Na sua visão, é o Congresso que deve tratar desses temas.
“Há pelo menos uma década, há entrevistas minhas declarando posição contrária às drogas, contrária ao aborto. Há reiteradas entrevistas, não de agora, não de hoje, não de ontem, há oito anos, em vários momentos esse tema surgiu”, disse, ao responder o senador Efraim Filho (União Brasil-PB).
O STF tem uma ação em andamento que discute a descriminalização ampla do aborto, prática que hoje é permitida no país apenas em caso de estupro, risco de vida para a mãe e quando o feto é anencefálico.
Ao responder o senador Magno Malta (PL-ES), Dino ressaltou que não poderá decidir nessa ação sobre aborto, porque a ministra Rosa Weber — única a se manifestar até o momento, antes de deixar a Corte — já votou pela ampla liberação.
“Como o senhor sabe, é claro que esse processo já foi votado pela ministra Rosa, e, evidentemente, eu não posso, eventualmente, rever o voto que ela proferiu, respeitável, não há dúvida, mas desconforme com aquilo que, particularmente, eu penso”, disse na sabatina.
Por outro lado, ele poderá julgar outras ações que costumam chegar ao STF discutindo casos particulares, como ações criminais contra suspeitos de realizar abortos ilegais ou pedidos de gestantes para abortar, como, por exemplo, em casos de fetos diagnosticados com problemas que impedem sua vida após o parto (casos similares ao da anencefalia, mas que não são permitidos nas regras atuais).
Já na questão das drogas, há outro julgamento em andamento no STF que discute descriminalizar o porte de maconha para consumo e fixar parâmetros que diferenciem qual a quantidade liberada para usuário e qual a quantidade que enquadraria o portador como traficante.
A princípio, Dino também não se manifestará no mérito principal dessa ação no STF, porque Rosa Weber já votou.
Mas, como o julgamento está em curso, pode ser que o próximo ministro precise se manifestar em alguma etapa do caso.
Aliada de Dino e evangélica, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) tentou mediar uma aproximação do indicado ao STF com a bancada religiosa do Senado.
No entanto, a postura mais conservadora do ministro na pauta de costumes não foi capaz de compensar a resistência ao seu nome devido à sua trajetória política no campo oposto ao bolsonarismo.
O presidente da Frente Parlamentar Evangélica, senador Carlos Viana (Podemos-MG), manteve-se como um das principais vozes críticas à sua aprovação.
Por Mariana Schreiber/BBC News Brasil em Brasília