De que forma as tensões entre China e Estados Unidos, bem como a extensão das guerras de Israel X Hamas e Ucrânia X Rússia podem afetar o Brasil e a América Latina? Esses questionamentos foram abordados durante a 3ª edição do Perxpectivas Comex 2024, evento proprietário da Asia Shipping, que reuniu cerca de 500 pessoas na Casa Petra, em São Paulo.
De acordo com Rafael Dantas, diretor de Vendas da Asia Shipping, qualquer mudança ou ponto de tensão no mundo pode interferir no comércio exterior. Por isso, conhecer a geopolítica torna-se essencial para identificar possíveis riscos e agir preventivamente.
Na palestra inaugural, Thiago de Aragão, um dos mais influentes especialistas em geopolítica no mundo, destacou a importância de levar todos esses cenários em consideração para que as empresas não sejam pegas de surpresa. No caso da relação China e Estados Unidos, existem algumas categorias de embate: conceitual, em que cada país acredita em crises opostas; militares e comerciais – se um país tem negócios com uma das partes, a outra entende que não pode se relacionar com esse mesmo país.
De acordo com Aragão, a China depende de sua economia e de sua pujança para sobreviver. “O que traz credibilidade ao governo chinês é o crescimento da economia. Muitas vezes, o comércio exterior brasileiro depende mais das decisões tomadas em Pequim do que em Brasília”, destacou o Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Johns Hopkins (EUA) e pesquisador do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos (Washington). Thiago de Aragão é também CEO da Arko Internacional e sócio da Arko Advice, principal empresa de análise e estratégia institucional da América Latina.
No painel “Impactos da geopolítica no comércio exterior”, Aragão falou sobre a importância estratégica do Estreito de Ormuz, no Oriente Médio, por onde transita mais de 33% do petróleo mundial e 20% do transporte marítimo mundial. Por isso, qualquer acontecimento nesta região pode refletir no preço da gasolina e na economia global. Sempre que o nível de tensão aumenta no Oriente Médio, como acontece agora com a guerra entre Israel e Hamas, volta à tona o temor de um bloqueio do Estreito de Ormuz pelo Irã.
Teerã já ameaçou repetidamente impor tal medida por meio de unidades navais e mísseis de médio alcance, para retaliar as sanções decretadas pela comunidade internacional ao país. Situado na entrada do Golfo Pérsico, entre Omã e Irã, Ormuz é a única ligação entre o Golfo Pérsico e os oceanos. Todo o tráfego marítimo de e para os principais países exportadores de petróleo do mundo tem que passar pela via. O local é também importante para o transporte de gás natural liquefeito (GNL) do Catar, o maior fornecedor mundial do produto.
Durante o evento, o especialista pontuou outras regiões que, em cenários de conflitos, podem afetar diretamente o Comex, como é o caso do Estreito de Malaca, entre a Malásia e a ilha de Sumatra, na Indonésia. O canal liga o continente ao Oriente Médio e à Europa, e por ele passam cerca de 40% do comércio mundial. Mais de 100 mil navios o atravessam por ano, sendo uma das rotas marítimas mais congestionadas do mundo. “Por aqui passa tudo que entra e sai da China. Um eventual bloqueio comprometeria o fluxo de cargas com outros continentes”, comenta o especialista, que deu dicas de como fazer uma análise geopolítica de risco para que as empresas possam adotar medidas mais assertivas para seus negócios.
Efeito Cobra
Assim como a geopolítica, os rumos da economia são essenciais para definir os próximos passos da estratégia de comércio exterior. O economista Samy Dana abriu sua palestra comentando sobre o “efeito cobra”, termo inspirado em um episódio ocorrido na Índia colonial, quando ainda era a “joia da coroa o Império Britânico”. Como Nova Déli estava infestada por cobras, o governo passou a oferecer recompensa por cada serpente morta entregue pela população.
Depois de um tempo, as pessoas passaram a criar cobras em cativeiro para que continuassem recebendo o dinheiro. Quando o governo descobriu e suspendeu a recompensa, a população decidiu soltar os répteis, só que dessa vez em maior quantidade, o que gerou um problema maior.
O “efeito cobra” mostra que nem sempre as melhores intenções acompanhadas de ideias aparentemente boas são garantias de um final feliz. Por isso, é importante nunca subestimar a complexidade de um sistema. “Na economia, o perigo está em desconsiderar o que ocorre no mundo”, disse Dana.
O economista abordou ainda o conceito de produtividade, ou seja, quanto um indivíduo gera de riqueza para a economia. Segundo Samy Dana, um americano produz, em média, US$ 131 mil por ano, enquanto a produção de um brasileiro gira em torno de US$ 30 mil. “Um americano gera quatro vezes mais dinheiro que um brasileiro. Não há como um país se desenvolver se não aumentar a produtividade”, ressaltou.
O futuro é agora
Nesta edição do Perxpectivas, um tema de destaque foi o papel das novas tecnologias na transformação dos processos da cadeia logística, seja para otimizar o trabalho, ganhar agilidade e eficiência, facilitar o dia a dia do cliente, melhorar a experiência, reduzir a burocracia e gerar mais negócios.
O painel “O futuro é agora” reuniu grandes players do mercado para discutir as principais tecnologias que estão transformando o comércio internacional. Participaram Kamila Estevam, diretora de Desenvolvimento e Inovação na Dati; Lucas Sanches, gerente de Produtos da WiseTech Global, e Pierre Emmanuel Jacquin, General Manager e VP da Project44 na América Latina, sob a moderação de Diego Pontes, gerente de Tecnologia e Negócios na Asia Shipping.
Lucas destacou a evolução da cultura data-driven. “O dado é importante quando bem analisado e de fonte original para gerar insights. É preciso entender como utilizar o melhor da tecnologia para orientar na tomada de decisões.”
Para Pierre, a inteligência artificial generativa automatiza tarefas repetitivas, traz avanços e facilidades que poderão contribuir no dia a dia dos profissionais, que passarão a dedicar mais tempo às atividades estratégicas. Na mesma linha, Kamila lembra que estamos no início da IA generativa e que é fundamental aprender a fazer perguntas certas para que a máquina traga respostas mais efetivas para o negócio.
Diego, da Asia Shipping, aproveitou o debate para falar do processo de transformação digital da companhia, que envolveu todas as áreas. “Implementamos um software global, que permite aos funcionários sugerirem melhorias que serão avaliadas pelo comitê. Essa é uma maneira de manter a cultura da empresa.”
Outro ponto enfatizado pelo gerente de Tecnologia e Negócios da Asia Shipping é o desenvolvimento de uma API, com dados dos embarques e detalhes dos contêineres. Caso o cliente decida pela implementação dessa API em seu sistema, ele pode acessar o banco de dados da Asia Shipping com informações exclusivas da empresa. “Temos um cliente que utilizou nossa API 3.000 vezes em um mês”, complementa.
E para detalhar um pouco mais sobre a tecnologia mais comentada do ano – Inteligência Artificial Generativa -, o evento contou com a presença da futurista Martha Gabriel. Em sua palestra “IA para negócios”, ela abordou os principais conceitos, letramento, desafios, contextualização para o setor de Comex, além de demonstrar alguns prompts de IA generativa e como utilizá-los para otimizar o tempo e tornar os processos de trabalho mais produtivos.
Quando o tema é substituição do homem pela máquina, Martha enfatiza que o que estamos falando não é sobre novas profissões, mas sobre novos profissionais que usam ChatGPT e outros modelos generativos similares. Segundo a futurista, 91% das empresas com posições abertas em plataformas como Indeed e LinkedIn estão procurando colaboradores que sabem usar o ChatGPT.
Martha Gabriel explica que há três estágios da IA: Narrow (weak AI), com máquinas reativas e memória limitada; General (Strong AI), o momento da singularidade tecnológica com robôs cientes e autoconscientes; e, por fim, a Superintelligence – “Se não for ética, pode dar ruim”, destaca.
Para extrair dados da IA, as pessoas precisam formular boas perguntas usando o pensamento crítico, que alimenta os questionamentos. Para a futurista, existem cinco pilares do pensamento crítico: 1) Ceticismo amável – pergunte, pergunte e pergunte; 2) Tentar superar vieses cognitivos (temos pelo menos 180); 3) Aprender lógica, argumentação e retórica; 4) Repertório – o que alimenta o pensamento crítico; 5) Valores humanos.
O ideal, segundo Martha, é unir o que há de melhor entre Inteligência Artificial e Inteligência Humana. Na primeira, as principais características são: habilidades uma por vez; melhor em automação; ganha em análises de volumes, velocidade em processamento e razão.
Já a Inteligência Humana contempla habilidades múltiplas e simultâneas; é melhor em autonomia, ganha em análise de ambiguidades; realiza o processamento do pensamento crítico e usa a emoção. “Em algum momento teremos tantos avanços que precisaremos da IA para solucionar. O futuro não espera e nem perdoa a falta de preparo”, complementa Martha Gabriel.
“As discussões trouxeram temas atuais e muito conhecimento. Foi uma oportunidade para entender melhor a diferença entre IA e IA generativa, de que forma essas tecnologias moldarão o futuro da economia, o posicionamento do Brasil em relação à adoção de soluções disruptivas, benefícios e riscos da IA, habilidades necessárias para os futuros profissionais e os benefícios para a logística. Estamos muito felizes de compartilhar informações tão relevantes com nossos clientes e parceiros”, conclui Alexandre Pimenta, CEO da Asia Shipping.
Sobre a Asia Shipping
Criada em Santos em 1996, a Asia Shipping é uma multinacional brasileira que atua na gestão de processos logísticos de mercadorias tanto na importação quanto na exportação, utilizando diversos modais como aéreo, marítimo e rodoviário. Além disso, a companhia também é especializada em Inteligência Fiscal e Tributária, Desembaraço Aduaneiro e Seguros de cargas.
Com 27 anos, a Asia Shipping é a maior integradora logística da América Latina e a única da região presente no Ranking dos 50 maiores agentes de carga do mundo, ocupando a 31ª posição. Também foi certificada pelo Great Place to Work como uma das “Melhores Empresas para se Trabalhar” no Brasil. A companhia está em 12 países, com 40 escritórios no mundo – 11 no Brasil – e mais de 1.000 colaboradores. A empresa aderiu ao Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado, o OEA, e ao Pacto Global da ONU.
Por Luciana Abritta/DFreire