Uma servidora da Prefeitura de Manaus foi agraciada na mais recente edição do Prêmio Oswaldo Cruz de Teses, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em solenidade na última semana, no Rio de Janeiro, a assistente social da Escola de Saúde Pública da Secretaria Municipal de Saúde (Esap/Semsa), Thalita Guedes, recebeu o prêmio de Saúde Coletiva por seu trabalho de doutorado, que aborda as transformações sociais vividas pela população e por profissionais de saúde da atenção básica no Amazonas, durante a pandemia de Covid-19.
Em sua tese, intitulada “Territórios da Atenção Básica de Saúde do Amazonas: transformações sociais sob o signo da pandemia da Covid -19”, Thalita analisou os modos de fazer saúde em Manaus e em outros 11 municípios, avaliando mudanças sociais e nos processos de trabalho da atenção básica, advindas da pandemia.
Realizado com fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), o estudo foi apresentado no Programa de Doutorado em Saúde Pública na Amazônia, do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), sob a orientação do Prof. Dr. Júlio Cesar Schweickardt.
Thalita ressalta que a tese foi resultado de um trabalho coletivo, sendo a premiação um reconhecimento também aos amigos, profissionais de saúde, pesquisadores e outros que colaboraram no desenvolvimento da pesquisa. Ela vê o prêmio nacional ainda como um marco para a Esap Manaus, que em junho passado completou cinco anos de atuação.
“Somos uma escola recente em relação a outras no Brasil, e termos uma pessoa com reconhecimento nacional reflete um investimento forte da Semsa na qualificação, que contribui para a maior qualidade nos serviços e a consolidação de políticas públicas na saúde”, avalia.
A assistente social, que participou do grupo de trabalho que atuou na estruturação da Esap, enfatiza ainda o crescimento da instituição. “Temos vários profissionais de saúde que se tornaram pesquisadores e podem hoje produzir textos científicos de interesse para a Semsa. Isso abre também portas para obter recursos e fomentos na área de pesquisa, colocando a Prefeitura de Manaus em outro patamar”, diz.
Pesquisa e desafios
Numa pesquisa desenvolvida ao longo de dois anos e meio, dentro de uma abordagem participativa, Thalita Guedes ouviu 385 usuários, 47 profissionais de saúde e 18 gestores para investigar as mudanças trazidas pela pandemia na vida das pessoas e na atuação da atenção básica. A experiência na pesquisa participativa, que leva em conta as vivências e saberes dos participantes, foi o que ela considera um dos principais resultados do estudo.
“Nunca tínhamos realizado uma pesquisa na Atenção Básica com essa proporção, dentro de uma abordagem participativa. Todas as análises e problematizações foram feitas com as pessoas, sendo o pesquisador mais um na roda de discussão”, relata a assistente social e doutora em Saúde Pública na Amazônia.
A abordagem, aponta Thalita, aproximou a pesquisa dos territórios e modos de vida da população da região e das medidas de enfrentamento à Covid-19, expondo os medos, ansiedade e insegurança de usuários e trabalhadores usuários da atenção básica. A crise de saúde pública, que no Amazonas resultou em 600 mil casos e 14 mil mortes, por outro lado instigou a atuação de profissionais de saúde, com o reforço no acesso aos serviços por meio do diagnóstico precoce da Covid-19, além de inovações como o drive-thru, busca ativa e vacinação em domicílio.
“Isso permitiu à atenção básica recuperar seu papel estratégico como porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo diante das dificuldades, os profissionais de saúde desse nível de atenção foram protagonistas no atendimento majoritário da população na pandemia”.
O estudo também notou a influência de mídias sociais nas estratégias de prevenção da Covid-19, que foram mais bem sucedidas em lugares como Carauari, Manicoré e Tefé, em relação à capital. Nos municípios, a maioria dos usuários relatou ter ficado em casa, em atenção às medidas de prevenção e controle da doença, o que Thalita atribui a uma maior confiança nos profissionais de saúde e menor nas redes sociais e meios de comunicação, em relação aos usuários de Manaus.
Impactos e mudanças
A tese de Thalita apontou impactos da pandemia no trabalho, na família, na organização comunitária e articulação entre instituições e no reconhecimento da atenção básica pela população, em meio a um cenário de desemprego, redução de salários e falta de acesso a alimentos. Nas casas, houve uma reorganização familiar com o retorno de pessoas para morar com pais e parentes, a criação de adolescentes e crianças por óbito dos pais, e sequelas permanentes da doença.
“Esse processo se deu por meio da resiliência e solidariedade da população amazônica. Os entrevistados também indicaram a valorização familiar, o cuidado à saúde e a oportunidade de repensar projetos de vida como aprendizados da pandemia”, avalia.
A pesquisadora apontou ainda o fortalecimento da solidariedade e das relações sociais nas comunidades, a partir das mobilizações para a obtenção de cestas básicas, e a resistência da cultura popular, pela ressignificação do conhecimento tradicional da medicina caseira.
“As análises apresentadas indicam que a pandemia de Covid-19 trouxe consequências para o SUS, produzindo transformações sociais no cotidiano das populações amazônicas, o que gerou a mobilização de estratégias para seu enfrentamento no âmbito da Atenção Básica no Amazonas”, resume Thalita.
Premiação
A premiação dos contemplados na edição 2023 do Prêmio Oswaldo Cruz de Teses ocorreu na Tenda da Ciência Virginia Schall, na sede da Fiocruz, no Rio de Janeiro, no dia 16/10, como parte de evento alusivo ao Dia da Educação. Na ocasião, foram homenageados também os contemplados do Prêmio Capes de Teses e da Medalha Virginia Schall de Mérito Educacional.
Atualmente em sua sétima edição, a iniciativa visa distinguir estudos de elevado valor para o avanço do campo da saúde em diversas campos de atuação da Fiocruz, sendo dividida em quatro áreas: Medicina; Saúde Coletiva; Ciências Sociais e Humanas; e Ciências Biológicas Aplicadas à Saúde e Biomedicina.