As ações da BYD (Build Your Dreams) dispararam na semana passada após a empresa anunciar que seus lucros do terceiro trimestre podem dobrar em relação ao ano passado. A BYD já superou a Tesla em produção trimestral – o segundo fabricante americano em vendas globais.
O sucesso da BYD é também um sinal do crescimento da indústria automobilística da China, que este ano ultrapassou a do Japão como maior exportadora do setor no mundo.
Trata-se de um ponto positivo para uma economia chinesa em dificuldades, que se recupera de uma grave crise imobiliária e de um desemprego recorde.
Mas, por outro lado, crescem também as tensões de Pequim com muitos dos países que são mercados de exportação para seus veículos elétricos, entre eles os Estados Unidos e países da União Europeia.
À medida que o mundo se volta para novas tecnologias mais limpas, este é mais um exemplo da dificuldade que será para os países ocidentais deixarem de depender dos produtos chineses.
Como a BYD ‘construiu seus sonhos’
A BYD já surgiu com uma vantagem: diferentemente de fabricantes de automóveis que se expandiram para produzir modelos elétricos, a BYD era originalmente uma empresa de baterias que, depois, começou a fabricar carros.
Seu diretor executivo, Wang Chuanfu, que tem uma fortuna avaliada em US$ 18,7 bilhões, nasceu em 1966 no condado de Wuwei, no seio de uma família de agricultores de uma das províncias mais pobres da China. Ele ficou órfão ainda adolescente e foi criado pelos irmãos mais velhos.
Após formar-se em engenharia e em físico-química metalúrgica, co-fundou a BYD ao lado de um primo em Shenzhen, em 1995. A empresa ficou famosa como fabricante de baterias recarregáveis — utilizadas em smartphones, laptops e outros aparelhos eletrônicos — que competiam com as importações japonesas, mais caras.
Em 2002, a empresa começou a negociar suas ações na bolsa e logo buscou diversificar-se, com a compra da Qinchuan Automobile Company, uma fabricante estatal de automóveis que se encontrava em dificuldade.
Os veículos elétricos estavam em um estágio ainda muito incipiente, mas as autoridades de Pequim buscavam espaço de mercado que a China pudesse ocupar. No início da década de 2000, o governo priorizou a produção de energias renováveis com subsídios e benefícios fiscais.
Para a BYD, era o momento perfeito. As baterias que fabricava eram os motores que impulsionariam os veículos elétricos.
Em 2008, o investidor multimilionário americano Warren Buffet comprou uma participação de 10% na BYD Auto, acreditando que, algum dia, a empresa se transformaria “no maior ator de um mercado mundial de automóvel que inevitavelmente tornaria-se elétrico”.
E ele tinha razão. Hoje a China domina a produção mundial de veículos elétricos, em grande parte graças à BYD. E Pequim quer manter essa liderança: no último mês de junho ofereceu isenções fiscais a veículos elétricos no valor de US$ 72,3 bilhões em quatro anos, o maior incentivo já dado, e em um momento de desaceleração nas vendas.
De acordo com especialistas, a BYD deve o crescimento que teve ao seu negócio original: as baterias. Elas são um dos componentes mais caros dos veículos elétricos e fabricá-las internamente reduz muito o custo à empresa. Concorrentes, como a Tesla, terceirizam a fabricação de baterias.
Segundo a UBS, o modelo BYD Seal tem uma vantagem de 15% sobre o sedan básico Model 3 da Tesla, fabricado na China.
O veículo elétrico básico da BYD, Seagull, custa US$ 11 mil. Há pouco tempo a Tesla lançou o Model 3, um sedan cujo valor de venda inicial na China era cerca de US$ 36 mil.
E a empresa também parece ter êxito para além dos veículos elétricos: no começo do ano, desbancou a alemã Volkswagen do posto de marca de carros mais vendida na China.
BYD versus Tesla
Em 2011, Elon Musk riu ao ser perguntado, durante uma entrevista a uma emissora de televisão, sobre a BYD e a concorrência chinesa.
Na época, a Tesla ainda era uma jovem empresa com ações negociadas na bolsa e que acabava de apresentar um protótipo do primeiro carro que lançaria: o Model S.
Hoje Musk provavelmente se arrepende da resposta que deu. A Tesla vendeu 74.073 veículos elétricos fabricados na China em setembro, quase 11% a menos que no ano anterior, segundo dados recentes da Associação Chinesa de Turismo.
Os números contrastam com os da BYD, que comercializou 286.903 unidades no mesmo período, o que representa um aumento de quase 43% nas vendas de veículos elétricos e modelos híbridos.
A ironia é que a crescente popularidade dos veículos elétricos na China é atribuída à Tesla. Os incentivos ambientais não animavam os clientes a comprar veículos elétricos até a chegada da empresa ao mercado chinês.
“Ela é considerada uma das marcas favoritas de veículos elétricos na China (…) entre os compradores mais jovens”, afirma o especialista no setor automobilístico Ivan Lam, da Counterpoint Research.
Quando a China, o maior mercado automobilístico do mundo, quis introduzir mais veículos elétricos no país, o país flexibilizou as normas para permitir que as empresas estrangeiras tivessem a plena propriedade das operações de fabricação e vendas no país.
Antes disso, empresas como General Motors e Toyota precisavam de um sócio local para construir uma fábrica na China.
Quando a regra mudou, a Tesla soube aproveitar a oportunidade. Hoje, é a maior exportadora de veículos elétricos fabricados na China e a segunda maior vendedora de veículos elétricos na China.
Os veículos elétricos chineses ganharão a corrida?
A pista está ficando estreita para as tradicionais fabricantes de automóveis, cujos negócios seguem impulsionados pelos motores a combustão.
Especialistas preveem uma forte mudança de agora até 2030, à medida que se aumentam os incentivos ecológicos para combater as mudanças climáticas.
A Comissão Europeia já investiga a possibilidade de estabelecer obrigações para proteger os fabricantes da UE de uma “avalanche” de veículos eléctricos chineses importados e mais baratos, que, segundo o bloco, se beneficiam dos subsídios de Pequim.
A presidente, Ursula Von Der Leyen, declarou que a UE não esqueceu como sua indústria solar foi afetada pelas “práticas comerciais desleais” da China.
Mas, no momento, os carros da BYD seguem fazendo sucesso na Europa, que enfrentam um período de inflação e custos energéticos elevados.
Mercedes-Benz, BMW e Volkswagen lutam para manter o ritmo de produção de veículos elétricos para o mercado mundial, como se pôde comprovar no salão do automóvel da Europa, realizado em setembro, em Munique.
“No mundo todo há demanda por veículos acessíveis. É uma proposta de valor universal”, afirma Russo.
E o lugar que pode oferecer isso ao mundo, neste momento, acrescenta, é a China.
Por Monica Miller/BBC News Singapura