Se os US$ 500 milhões prometidos pelo presidente americano Joe Biden ao Fundo Amazônia, em abril, parecem cada vez mais distantes da realidade, o governo americano tem se esforçado para acenar com outras possibilidades de recursos para mostrar engajamento com o Brasil em um momento em que a China reforça sua presença tanto no país quanto na América Latina.
O envio de meio bilhão de dólares à floresta amazônica dependeria da aprovação do Congresso dos Estados Unidos. Mas, há meses, os partidos Democrata e Republicano não conseguem construir um consenso em torno do orçamento do país.
No último sábado (30/9), o Congresso evitou que o governo americano fosse paralisado por falta de verbas menos de quatro horas antes do prazo limite – e com a aprovação de uma solução tampão de 45 dias. Ficaram de fora, por exemplo, as verbas previstas para apoiar os ucranianos em seu esforço de guerra.
O terreno legislativo do país virou um ambiente conflagrado — o que ficou demonstrado na terça-feira (03) com a destituição do líder da Câmara, o republicano Kevin McCarthy, após decisão dos parlamentares da Casa, que aprovaram por 216 votos a 210 sua saída em uma moção para retirá-lo do cargo.
Nesse contexto da política doméstica do país, tanto diplomatas brasileiros como americanos consideram praticamente descartada a aprovação da verba anunciada por Biden ao Fundo Amazônia ainda este ano.
Os dois governos, no entanto, se empenharam para evitar que o não cumprimento da promessa simbolizasse um novo constrangimento na relação entre os países, que tanto Biden quanto Lula afirmaram ter chegado a um novo patamar. E outras opções passaram a ser avaliadas.
Por um lado, durante o encontro bilateral entre os presidentes Lula e Biden (e alguns de seus ministros) em Nova York, há duas semanas, o Brasil propôs a inclusão do país no chamado Inflation Reduction Act (IRA, na sigla em inglês), um pacote climático proposto pela atual gestão, já chancelado pelo legislativo, e que destina US$ 369 bilhões para apoiar a transição energética e o desenvolvimento de tecnologias verdes ao país.
Até agora, o Brasil pouco se beneficiou do plano bilionário porque, de acordo com o texto aprovado pelo Congresso, somente países com acordos de livre-comércio com os EUA poderiam reclamar tais investimentos em suas indústrias.
O Brasil jamais firmou tal acordo com os americanos. Para tentar estudar formas de driblar essa limitação, brasileiros e americanos acertaram, durante o encontro bilateral, a criação de um grupo de trabalho — que do lado brasileiro será levado a cabo pela Fazenda — para propor saídas que permitam que ao menos parte desse recurso desembarque no Brasil.
Do lado de Biden, a estratégia para demonstrar que a relação com o Brasil é prioritária é aliar investimentos públicos pontuais e estímulo ao intercâmbio empresarial.
Em entrevista exclusiva depois do encontro bilateral entre os dois presidentes, o subsecretário de Estado para Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente dos EUA, José Fernandez, afirmou que o país pretende aportar recursos diretamente no Brasil em setores como a extração dos chamados “minerais críticos” — cobalto, lítio e níquel, entre outros — fundamentais para a fabricação de baterias de veículos elétricos, por exemplo.
Hoje, 80% desses minerais estão sob controle de países que os EUA consideram como autocracias e expandir as fontes dos materiais se tornou uma meta para a gestão Biden.
Uma das novas fontes que os americanos encontraram fica no interior do Piauí. Lá, a agência governamental americana, Development Finance Corporation (DFC), aportou algumas dezenas de milhões de dólares para a exploração de cobalto e níquel pela empresa TechMet.
“A China construiu uma posição de domínio esmagador da cadeia de abastecimento (de minerais críticos). A dependência contínua dos Estados Unidos das importações para o fornecimento de metais críticos representa uma ameaça significativa à competitividade a longo prazo da indústria americana. A TechMet, alinhada aos interesses dos EUA, está empenhada em desenvolver um fornecimento independente destes metais críticos”, diz a empresa em um comunicado em 2020 no qual anuncia o aporte de US$25 milhões da DFC.
A China já se estabeleceu no Brasil com duas fabricantes de automóveis elétricos – a BYD e a Great Wall Motors.
“Em minerais críticos, o Brasil tem grandes reservas, o que quer é capital, empresas que estejam preparadas para fazer a coisa certa ao trabalhar com as comunidades, que garantam respeito aos direitos trabalhistas, ao meio ambiente. E nós estamos preparados para incentivar esse tipo de empresa”, afirmou Fernandez.
O secretário qualificou o setor minerador do Brasil como “vibrante” e disse que o que os EUA oferecem é “trabalharmos em conjunto no financiamento de projetos minerais críticos, com um investimento feito de forma responsável, seguindo o mais alto princípio ambiental, social e de governança para que os países não precisem escolher entre custos ambientais e crescimento econômico”.
Segundo ele, porém, as parcerias com o Brasil não estariam limitadas à mineração.
Há ainda interesses em apoiar o desenvolvimento de hidrogênio verde, energia eólica e solar brasileiras, além do desenvolvimento de sementes pela Embrapa que gerem plantas capazes de suportar as mudanças climáticas.
Na semana passada, o Departamento de Estado dos EUA remeteu ao Brasil cerca de 40 empresários, numa visita organizada pela equipe do enviado especial dos EUA para o clima, John Kerry, e batizada de GreenTech Mission.
Entre as empresas americanas representadas na visita estavam 3M, Bayer, Boeing, Cargill, GE, Merck e Kellogg. Havia ainda funcionários da EximBank, agência de crédito à exportação dos EUA; dos departamentos de Agricultura, de Energia, dentre outros.
Ao anunciar, em Nova York e ao lado de Kerry, a expedição dos americanos ao Brasil, o ministro da Fazenda Fernando Haddad qualificou o novo momento da parceria com os EUA como um “ganha-ganha”. “Não podemos deixar uma potência como os EUA de costas para o Brasil. O Brasil e os EUA têm interesses em comum. Queremos abrir possibilidades novas para que Brasil e EUA se aproximem com ganhos mútuos”, afirmou Haddad.
O tom de Fernandez é ainda mais contundente: “O Brasil está ansioso e queremos mais investimentos dos EUA no Brasil. Quando você tem um país com o potencial que o Brasil tem na região (América Latina), ele tem que estar na frente e no centro dos seus planos”.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista da BBC News Brasil com Fernandez, feita por videochamada e editada por concisão e clareza.
Brasil e EUA parecem estar em um novo momento em sua relação bilateral, é o que os dois presidentes disseram no mês passado, em encontro bilateral, em Nova York. O que isso significa em termos de comércio e oportunidades de negócios?
José Fernandez – Nossa relação com o Brasil é muito forte, temos excelentes relações comerciais, mas também compartilhamos muitos dos mesmos valores e algo em que tanto o presidente Biden quanto o presidente Lula acreditam é em ter as mudanças climáticas no topo da agenda. Eles discutiram o que o presidente Lula quer fazer na Amazônia e nós compartilhamos os mesmos objetivos.
Especificamente nas áreas com as quais eu trato, como minerais críticos, os EUA acabaram de fazer um investimento numa empresa no Nordeste. Temos um diálogo energético muito ativo. Estamos engajados em toda a questão da sustentabilidade, das mudanças climáticas. Vamos nos envolver com o Brasil no acordo de plásticos que estamos começando a negociar. Eu me encontrei com a nova embaixadora do Brasil nos EUA (Maria Luiza Viotti) e estamos comprometidos em cooperar em muitas áreas. É um relacionamento muito forte.
Você poderia detalhar um pouco mais esse investimento em minerais no Nordeste?
Fernandez – O nome da empresa é Techmet. Eles receberam um investimento de muitos países, mas um dos investimentos foi da nossa Development Finance Corporation para construir uma mina no nordeste. Eles estão no mercado de minerais críticos. E continuaremos a fazer mais.
O Brasil tem um setor de mineração muito vibrante e de grande interesse e o que oferecemos é a oportunidade para trabalharmos em conjunto no financiamento de projetos minerais críticos, com um investimento feito de forma responsável, seguindo o mais alto princípio ambiental, social e de governança para que os países não precisem escolher entre os custos ambientais e o crescimento econômico.
O Brasil compartilha esse anseio e eu tenho tanto no governo Lula quanto durante o período Bolsonaro conversado com a indústria de mineração brasileira e continuarei a promover esse tipo de oportunidade que acreditamos ser uma oportunidade única em uma geração e uma oportunidade que o Brasil quer aproveitar.
Em minerais críticos, o Brasil tem grandes reservas, o que quer é capital, empresas que estejam preparadas para fazer a coisa certa ao trabalhar com as comunidades, para garantir que elas respeitem os direitos trabalhistas e o meio ambiente. E, por isso, estamos preparados para incentivar esse tipo de empresa.
O desafio é focar em projetos específicos daqui para frente e continuaremos a fazer isso.
Mas não se limita à mineração. Um dos projetos que coordeno é para desenvolver plantações no sul da África que resistirão às mudanças climáticas. Se o clima continuar a aquecer, muitas das culturas agrícolas que, neste momento, são alimentos básicos na África, não sobreviverão às alterações climáticas nos próximos 20 anos. Estamos trabalhando com a Embrapa nisso no sul da África.
Na semana passada, a equipe do enviado climático John Kerry esteve no Brasil com algumas dezenas de empresários justamente com esta agenda. Pode me falar mais sobre isso?
Fernandez – Apoiamos o secretário Kerry na empreitada. Ele tem sido incansável em trabalhar na busca de uma cooperação com o Brasil.
Quando você olha para a crise das mudanças climáticas que enfrentamos, o Brasil está no centro da solução, como líder na preservação amazônica de um dos maiores pulmões do mundo. Precisamos do Brasil como parceiro. O Brasil já é um líder climático, grande parte da sua energia agora é renovável, é energia hidrelétrica, então acho que todos podemos aprender com os esforços que o Brasil tem tomado na Amazônia e em outros aspectos sobre mudanças climáticas e nós queremos tê-los como parceiros na América Latina, dada a sua proeminência na região.
E é por isso que tenho certeza de que o secretário Kerry deseja promover esse objetivo, mas também percebendo que o setor privado será fundamental para a necessidade de investimento. Logo, ele está trazendo empresas ao país.
E em relação a fundos governamentais dos EUA, subsecretário? O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, citou recentemente a possibilidade de que recursos do Inflation Reduction Act pudessem financiar iniciativas no Brasil. Isso é uma conversa ainda muito inicial ou já uma realidade?
Fernandez – Acho que estamos começando a conversa e isso é um pouco fora da minha especialidade. Grande parte da discussão sobre o Inflation Reduction Act centra-se nas baterias de veículos elétricos e subsídios (para produzi-las). Em relação ao Brasil, já estamos vendo os benefícios desse investimento que mencionei na Techmet.
Mas não é só isso. No hidrogênio verde, o Brasil poderá ser um líder, há uma série de áreas onde vemos condições de trabalhar em conjunto com o Brasil. Sinceramente, não sei se a discussão já está em andamento, mas certamente tenha em mente que o Inflation Reduction Act é o maior investimento feito por qualquer país na História em energia limpa, são US$ 369 bilhões, e vai além das baterias de veículos, inclui a captura de carbono, hidrogênio verde, energia eólica, solar e muito desse investimento irá para tecnologia. E essa tecnologia ajudará a todos nós.
Então, quer o Brasil se torne ou não um dos países do FTA (Free Trade Agreements, livre comércio, condição necessária para receber aportes diretos do IRA) para fins de veículos elétricos, o Brasil vai se beneficiar porque a tecnologia vai baratear turbinas eólicas e painéis solares. E, em última análise, o que estamos tentando fazer é lidar com as alterações climáticas, que são a crise existencial do nosso tempo.
O presidente Lula, na viagem a Nova York, tinha por objetivo atrair investidores americanos para obras do Programa de Aceleração do Crescimento em energia eólica e solar, especialmente no nordeste do país. O senhor vê esse interesse no setor privado americano?
Fernandez – Com certeza. Sei que existe um grande interesse também por parte de muitas empresas europeias. O Brasil é um excelente candidato para energia eólica e solar e já é líder em energias renováveis. Há uma série de empresas que estão muito otimistas em trabalhar com o Brasil e sentem que o país já está pronto agora para mais energia renovável.
O Brasil tem uma ótima rede hidrelétrica, mas vimos o que acontece em tempos de seca, e é por isso que o presidente Lula quer diversificar para outras fontes de energia renovável e é por isso que as empresas estão interessadas.
Há uma certa frustração no governo brasileiro que diz ouvir muitos questionamentos sobre os investimentos chineses no país, mas ao mesmo tempo afirma que os investidores americanos não aparecem nas concorrências quando elas são abertas.
Fernandez – O Brasil está ansioso e queremos mais investimentos dos EUA no Brasil. Lembre-se que os EUA continuam sendo, de longe, o maior investidor na América Latina e também o maior parceiro comercial da América Latina e do Caribe, por isso queremos fazer parte da solução e trabalharemos com o Brasil para tentar incentivar empresas a investirem nisso.
Assim como estamos incentivando as empresas brasileiras a virem para os EUA, nossos números comerciais cresceram tremendamente nos últimos dois anos. Nossas relações são bastante saudáveis.
Mas nós não podemos dormir sobre o nosso sucesso. Precisamos continuar atentos porque quando você tem um país com o potencial que o Brasil tem na região, ele tem que estar na frente e no centro dos seus planos.
Por Mariana Sanches/BBC News Brasil em Washington