No Brasil, a dependência por álcool e tabaco, consideradas drogas lícitas, se mantém no topo da preocupação dos especialistas em dependência química. Neste caso, um dado alarmante para a Associação Brasileira de Estudos e Álcool e outras Drogas (ABEAD) é o aumento do consumo de álcool por meninas, entre 12 e 13 anos de idade, ainda no ensino fundamental, muito antes que os meninos.
De acordo com a ABEAD, quanto mais precoce a experimentação, mais chances de desenvolver problemas graves como o alcoolismo. “Biologicamente, as mulheres são mais vulneráveis, mais afetadas que os homens pelo álcool, em todos os sentidos. Desde o cabelo à pele e órgãos internos”, ressalta a presidente da ABEAD, a psiquiatra Alessandra Diehl.
Além de envelhecidas pelo uso do álcool, as mulheres em idade fértil e na gestação desenvolvem a síndrome alcoólica fetal. “Esta síndrome é muito grave porque a mãe vai gerar um bebezinho com baixo peso ao nascer, com retardo mental, com dificuldade de caminhar e falar”, enumera a psiquiatra.
No XXVII Congresso da ABEAD, de 03 a 06 de setembro em São Paulo (SP) , serão discutidos este e outros assuntos envolvendo as políticas públicas de atendimento aos Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias e Transtornos Aditivos, também chamados comportamentais.
Novos fenômenos de drogas como os vapers (cigarros eletrônicos), as drogas sintéticas denominadas K e Z, cocaína batizada com fentanil e as dependências comportamentais como sexo, jogos, compras, internet e trabalho fazem parte do amplo debate do congresso com mais de 170 palestras e outros eventos paralelos.
TRANSTORNOS ADITIVOS
Segundo a ABEAD, os transtornos aditivos se caracterizam pelo uso compulsivo de determinada substância e desejo incontrolável de consumir mais, chegando a causar prejuízos em várias esferas da vida de um indivíduo. A falta da substância no organismo provoca a chamada síndrome de abstinência.
“Em resumo, a pessoa estabelece uma relação de apego doentio pela sua droga de escolha tornando-se um ‘escravo’ da mesma. Ele vive pra usar e usa pra viver”, descreve Alessandra Diehl. Neste caso, o componente genético também pode favorecer o desenvolvimento de transtornos aditivos. “As pessoas mais vulneráveis são, principalmente, as que possuem algum membro na família dependente de álcool e outras drogas. Existe aí tanto uma carga genética herdada quanto um aprendizado por modelagem”, destaca.
Por isso, o ambiente familiar tem relação direta com os aditivos. “Nós sabemos hoje que crescer em um lar observando, assistindo e vivenciando os pais beberem ou se drogarem, aumentam as chances desta criança vir a experimentar droga e se tornar dependente da mesma na adolescência ou quando adulto”, ressalta.
Um detalhe que compromete o diagnóstico e tratamento, segundo a psiquiatra, é o tempo que o transtorno aditivo leva para se manifestar. “Entre o início, uma espécie de namoro, e o aprisionamento pela droga de escolha, nem sempre há uma clara relação de adição, isto porque os transtornos aditivos se desenvolvem num continuum de tempo”, explica.
Assim como o período, os efeitos também diferem entre os adictos, diz Alessandra. “E com o tempo que pode ser variável de pessoa pra pessoa, o indivíduo começa a ter compulsão, tolerância, fissura, síndrome de abstinência, prejuízos devido ao uso como as complicações na saúde física e mental, com atraso escolar, perda de emprego, relacionamentos conturbadas e muitas vezes desfeitos , envolvimento em acidentes, criminalidade, entre outros”, ressalta a presidente da ABEAD.
REDES SOCIAIS E ELETRÔNICOS
Desde 1.º de janeiro de 2022, o vício em games começou a figurar na Classificação Internacional de Doenças, a CID-11, oficialmente como um transtorno de cunho mental e emocional. A intensidade, frequência e duração do tempo da atividade são fatores determinantes para fechar um diagnóstico de transtornos relacionados a redes sociais e jogos eletrônicos.
Para a ABEAD, num mundo em que a tecnologia é aliada em várias frentes de trabalho e na promoção de inúmeras facilidades na vida moderna é preciso atenção para o comportamento diante das ferramentas nas redes sociais e jogos eletrônicos.
“As redes sociais e os eletrônicos não podem substituir a conversa do almoço ou do restaurante, ser prioridade a um passeio com amigos. Quando isso acontece, é sinal que algo está indo para um caminho muito ruim, porque nada deveria substituir ou ter prioridades as relações humanas reais de afeto e vínculo”, aponta Alessandra Diehl.
No XXVII Congresso da ABEAD, a Mesa Redonda que aborda o tema “A droga do meu comportamento” abre o debate para questões como a dependência do trabalho, transtorno de Personalidade Obsessivo-Compulsiva (TOC), a síndrome de Burnout, dependência de sexo e em pornografia e até por negociação de criptomoedas, bolsa de valores e suas associações com jogos de azar e saúde mental.
Transtornos aditivos têm tratamento e é dividido em diversas fases, conforme a complexidade de cada caso, desde a desintoxicação, que não necessariamente precisa ser com a internação, à uma série de abordagens psicossociais, como entrevista motivacional, prevenção de recaída, treinamento de habilidades sociais por exemplo. Os grupos de autoajuda anônimos como os Alcoólicos, Narcóticos, Sexo e Jogos Eletrônicos, também contribuem para a recuperação sendo acessíveis e gratuitos ,
SOBRE A ABEAD
Atualmente, com sede em Porto Alegre, RS, a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) reúne psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, advogados, líderes comunitários, conselheiros, professores, entre outros profissionais, que trabalham com Transtornos por uso de substâncias e dependências comportamentais no Brasil e no exterior.
Criada oficialmente em 1989, a preocupação dos profissionais da área da saúde em relação ao álcool surgiu no final dos anos 1970, em São Paulo, como um grupo interdisciplinar. Já no início da década de 1980 realizou o primeiro encontro nacional e, em seguida, ampliou o foco de estudos para outras drogas e as dependências comportamentais.
Hoje a ABEAD é referência na discussão e implementação de políticas de prevenção e tratamento do uso de drogas no Brasil e na América Latina. O Congresso, maior evento da associação, é realizado a cada dois anos.
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