Pedro foi chamado para ser um apóstolo e pescador de homens. O Mestre lhe disse: “Vinde após mim” (Mateus 4:18-19) e Pedro o seguiu. Ele entendeu que Cristo era Deus em carne humana, o Messias, e que não havia ninguém como Jesus. Contudo, Pedro pecou gravemente fazendo o que jamais pensou ser capaz de fazer: negar o seu amado Senhor e Mestre. Diante de tal pecado, chora amargamente e perde as esperanças de continuar a ser um seguidor de Jesus. Mas o Evangelho nos relata que Jesus restaura Pedro ao relacionamento pessoal com ele e com os demais.
Em João 20, Pedro com alguns amigos foram pescar quando Jesus apareceu, instruindo-os a lançar a rede à direita do barco. Obedecendo, pescaram grande quantidade de peixe. Um dos discípulos reconheceu que era Jesus quem lhes falava e, assim, Pedro rapidamente se lançou ao mar para encontrá-lo. Jesus os aguardava na praia preparando o fogo para assar o peixe e terem uma boa refeição com peixe e pão. O convite foi simples e claro: “vinde, comei” (v. 12).
Jesus se encontrou com Pedro em um ambiente acolhedor, em uma roda de amigos e em meio a uma gostosa refeição. Era o momento ideal para tratar do conflito que se abateu entre o discípulo e seu Mestre, entre o pecador e o Messias, entre dois amigos. Após terem comido, Jesus iniciou a conversa sem centralizá-la nas ações de Pedro, mas em seu coração.
Talvez Pedro esperasse um confronto direto: “você pode me explicar o que aconteceu naquele dia?”. Ou uma dura admoestação: “eu não havia lhe alertado sobre o perigo do pecado?”. Ou ainda uma temida palavra pessoal: “pensei que éramos amigos – esperava mais de você”. Surpreendentemente a pergunta de Jesus foi outra: “Tu me amas?”. E Jesus a repete três vezes (v. 15-17).
“Tu me amas?” é uma pergunta pessoal, relacional e pastoral. Pessoal, pois é lançada sobre Pedro. Não trata genericamente dos discípulos, amigos ou igreja, mas de uma pessoa, Pedro. Não se refere aos movimentos do Reino ou desdobramentos públicos da atitude do discípulo. “Tu me amas?” simplesmente o trás para um círculo íntimo e pessoal de diálogo, pois quer tratar do seu coração. A pergunta é também relacional, pois não se trata somente de Pedro, mas da relação de Pedro com Jesus. E o impele a sondar seu coração sobre suas motivações e convicções mais profundas nesse relacionamento. O assunto não gira em torno das habilidades, posição ou influência de Pedro, mas da natureza de um relacionamento pessoal. Por fim, é também pastoral, pois tem uma clara finalidade de edificação. Jesus não intenta apenas passar a limpo sua relação com Pedro ou simplesmente encerrar um conflito. Ele deseja ver Pedro crescer em sua fé, sua vida e seu trabalho.
Sim, Jesus já havia ensinado que o crescimento espiritual se dá por meio da relação com o Pai, não pela religiosidade; da convicção pessoal, não do mero entendimento; do amor e não da lei. E aqui, entre a mensagem da ressurreição (Eu sou o Cristo!) e a grande comissão (anunciem o meu nome entre todas as nações!), Jesus faz a pergunta que define nossas vidas: “Tu me amas?”.
Perante a resposta positiva de Pedro (“Tu sabes que o amo”), Jesus o instrui: apascenta as minhas ovelhas. Nessa rápida e desconcertante conversa, o Messias trata da identidade e vocação de Pedro, realinhando esses dois fundamentos da vida cristã: quem somos e o que ele nos chamou a fazer. Nossa identidade está fundamentada em um relacionamento (amar a Jesus), não em nossos acertos, erros ou reputação. É pura graça. E nossa vocação se define pelo compromisso em cumprir a sua vontade (cuidar daqueles a quem ele ama), não pela nossa habilidade, personalidade, posição ou influência.
Tal cenário aponta para algumas lições que, creio, podem ser aplicadas na solução de conflitos, quando somos ofendidos ou nos encontramos decepcionados.
- Jesus toma a iniciativa em buscar o seu ofensor
É Jesus quem provê o momento, busca o reencontro e prepara o cenário necessário. Quando ofendidos, às vezes assumimos a postura do distanciamento justificado. Afinal, o ofensor é quem deve nos procurar, retratar-se, buscar o perdão. Não é isto que Jesus fez. Ele tomou a iniciativa de forma amorosa. - Jesus cria um ambiente acolhedor para se encontrarem
Cristo convida o discípulo pescador para um encontro na beira-mar, ao redor do fogo e em meio a uma gostosa refeição com peixe e pão. Quando ofendidos, às vezes criamos um cenário intimidador ou que, ao menos, nos assegura alguma vantagem. Jesus fez o oposto, chamando Pedro a uma conversa entre amigos, em um ambiente informal, não propício ao simples confronto, mas ao profundo quebrantamento. Cristo não o lançou ao tribunal da censura, antes o convidou à roda da amizade. - Jesus tem um intento que vai além do perdão
A agenda de Jesus vai além do perdão, pois deseja ver Pedro amadurecido na fé e restaurado no ministério. Quando ofendidos, visamos a seguir até o limite do perdão, que já é, por natureza, um difícil limite. Jesus vai além, pois deseja que Pedro cresça, amadureça, não erre mais. E também que frutifique. - Jesus restaura Pedro ao ministério de apascentar.
Quem ama cuida. Jesus restaura Pedro na confiança da continuidade de seu chamado depois da falha na segurança errada. Pedro é comissionado à cuidar dos cordeirinhos, ou seja; dos pequenos, das crianças.
O interesse de Cristo é Pedro, não apenas o que Pedro pode fazer. Dois marcantes lembretes de Jesus a Pedro: que ele é chamado a um relacionamento de amor e que, amando e seguindo o Mestre, é também convidado a trabalhar em seu Reino. “Tu me amas?” aponta para a identidade cristã, enquanto “Apascenta as minhas ovelhas” atesta nosso chamado à missão.
Revisemos o roteiro: Jesus toma a iniciativa buscando quem o ofendeu, cria um ambiente acolhedor para se encontrarem, tem um alvo de edificação que vai além do perdão e encoraja o ofensor à fé e à missão.