O que é necessário para reduzir a taxa básica de juros (Selic), e consequentemente diminuir o seu impacto sobre os mais pobres e aumentar a oferta de emprego, foi um dos questionamentos recorrentes dos senadores da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), terça-feira (25) ouviram explicações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Isso porque desde agosto de 2022 (antes das eleições em outubro), a taxa tem se mantido em 13,75%.
O gestor afirmou que “nunca na história desse país, nem na história do mundo, foi feito um movimento de aumento de juros tão grande em ano eleitoral, a taxa começaram a aumentar no fim de 2021”, como em 2022, devido à previsão de crescimento da inflação. Ele negou viés político nas decisões do Banco.
“O Banco Central, mesmo no período eleitoral, entendeu que a inflação ia subir, entendeu antes de grande parte dos outros países, porque o Banco Central foi um dos primeiros a subir juros, mas fez uma subida muito grande no ano eleitoral” afirmou Campos, ao posicionar que se não tivessem aumentado a Selic, a inflação em 2022 seria de 10%, e não de 5,8%.
Presidente da CAE e autor de um dos requerimentos de convite a Campos, o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) abriu a reunião lembrando que o Banco Central dispõe de autonomia, não de independência.
“Se tivesse independência, o Banco Central poderia estabelecer, ele próprio, a meta de inflação a ser alcançada. Não é o caso, nossa meta de inflação é definida pelo Conselho Monetário Nacional, controlado pelo Executivo. Cabe ao Banco Central perseguir tal meta. E sua autonomia se resume a decidir como aplicar os instrumentos a sua disposição”, disse Vanderlan.
Taxa de juros nos governos passados de Lula
O governo Lula em 2003 assumiu a presidência com a taxa Selic de 25%, segundo dados disponibilizados pelo próprio Banco Central. De fevereiro a maio de 2003 a taxa subiu para 26,5%. Em 2004 a taxa recou fechando o ano em 17,75%. Um novo aumento para o ano de 2005 fez com que a média girasse em torno de 19%. Em 2008, no segundo mandato de Lula, a taxa era a mesma que está atualmente. O presidente do BC na época era Henrique Meirelles, nomeado por Lula e que esteve a frente do Banco Central no período de 2003 à 2011.
Autonomia
O presidente do Banco Central, que também integra o Conselho Monetário Nacional (CNM), defendeu a autonomia da entidade monetária, tratou de questões referentes ao regime de metas; processo de autonomia; inflação no mundo e no Brasil; atividade econômica; política fiscal; taxas de juros, mercado de capitais; e “agenda inclusiva”.
Campos Neto reconheceu que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, tem direito de se manifestar sobre as taxas de juros, mas salientou que Banco Central não é culpado pelas mazelas que o país enfrenta. Ele afirmou ainda que as reformas (em especial a fiscal, a tributária e, como defendeu, também a administrativa); o equilíbrio fiscal; e as “contas públicas em dia” ajudam a diminuir os juros e que não “há nenhuma mágica, nenhuma bala de prata”.
Para o presidente do BC, o combate à inflação é o melhor instrumento social — “porque a inflação é um elemento muito corrosivo para os rendimentos dos mais carentes” — e não há definição de uma data para a queda dos juros, que acontecerá a partir de uma decisão técnica.
— No tripé da política econômica do Brasil, a gente tem um sistema de metas, um câmbio que é flutuante, e a gente tem que ter um tripé de responsabilidade fiscal. Esse é o desenho do sistema em todos os países do mundo, e a parte fiscal influencia muito o que o Banco Central faz, através das expectativas e, caso não seja cumprido, o Banco Central tem que escrever uma carta, até com eventual punição, como está estabelecido na lei.
Causas da taxa de juros
Segundo Campos Neto, entre as causas para os juros altos estão a “baixíssima taxa de recuperação de crédito pelos bancos” (alta inadimplência); “baixa taxa de poupança”; “dívida bruta acima da média”; “percepção de risco”; e “alta proporção de crédito direcionado” a grupos específicos (em vez de um crédito geral, a partir do mercado de capitais).
Ele explicou que, para definir a taxa de juros, o BC considera a inflação, a capacidade de crescimento do país e as expectativas inflacionárias.
— A gente olha a inflação corrente: ou seja, como está a inflação hoje em dia, quais são as características da inflação corrente, ou seja, a gente olha a inflação, o que tem acontecido na inflação, qual é o aspecto qualitativo da inflação, qual é o tipo de inflação que a gente está vendo, o que dá para extrair da inflação corrente em termos de expectativa futura. A gente olha o hiato do produto, que é basicamente a capacidade de o país crescer sem gerar inflação. Então, eu tenho espaço para crescer sem gerar inflação? Eu não tenho espaço? Como é que funciona isso? E a gente olha as expectativas de inflação. Então, na parte de expectativas de inflação, o que a gente faz é tentar ver qual é a expectativa de inflação à frente, e a expectativa de inflação é muito importante no sistema de metas, porque as pessoas reajustam o preço baseadas nas expectativas. Então, a gente tem que ter certeza de que as expectativas de inflação estão dentro da meta, estão ancoradas.
Segundo ele, há mais de 14 semanas há piora nas expectativas de inflação e ainda “não se viu uma melhora nessa expectativa desde novembro”.
— A gente vinha com uma expectativa de inflação ancorada até novembro de 2022 e, de dezembro para cá, a gente teve uma piora muito grande nas expectativas de inflação, tanto as expectativas dos analistas quanto a inflação medida pelo mercado. Então, a gente vê que, no mercado, a gente saiu ali de um patamar de 5,5, foi para quase 7,5 e está oscilando aí entre 6, 6,5 e 7; e, na parte de mercado, a gente teve uma piora contínua. Até o Focus, essa semana, mostrou alguma estabilidade na parte longa, mas uma piora na parte mais curta.
Fluxo cambial
Campos Neto também tratou da revisão das estatísticas de câmbio, a partir do requerimento do senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), que questionou o erro ocorrido na série de câmbio contratado nas estatísticas do setor externo do Banco Central, no período de outubro de 2021 a dezembro de 2022, referente ao total de US$ 14,5 bilhões. O erro na compilação dos dados do fluxo cambial (ou seja, o volume de dólares que entram e saem do país) foi constatado em janeiro de 2023, já durante o novo governo.
— Foi feita uma mudança no Banco Central e aí a gente criou alguns códigos novos e aí teve um código novo, que é o 34021, que que por um erro não foi colocado na rotina compilação da estatística, então ele ficou de fora por um tempo. Esse erro foi recuperado, foi ajustado. Aqui a gente mostra que apesar do efeito financeiro ter sido grande, o efeito estatístico não foi tão grande e a gente tomou várias medidas para que isso acontecesse novamente. Então a gente tem as revisões das rotinas e a gente criou etapas adicionais — expôs Campos Neto.
Emprego
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) questionou o que tem sido feito para fomentar o pleno emprego e para que os bancos também contribuam no controle inflacionário no país, “já que a taxa Selic é igual para todos”, mas afeta mais diretamente os mais pobres.
— Hoje temos 65,2 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza. Essa taxa de juros só vai piorar a desigualdade social.
Campos Neto afirmou que sabe o quanto custa a inflação para o mais pobre e a perda de capacidade de compra, mas afirmou que as pessoas têm sido capazes, na média, de recompor a inflação.
— O nosso trabalho é fazer a inflação convergir para a meta com o mínimo de custo social. A taxa de desemprego, que foi para um mínimo aí por algum tempo, voltou a subir um pouco, mas o último número já foi um pouco melhor. Quando a gente olha a massa de rendimento real, a gente vê que ela está voltando a subir. Obviamente, a gente gostaria que fosse muito melhor, todos os dados deveriam ser muito melhores, a gente trabalha para isso, mas a gente vê uma recuperação na margem. Então, não é verdade que o Brasil está afundando numa recessão sem fim.
Crédito
Ao responder a senadora Tereza Cristina (PP-MS) e ao senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) sobre ações do Banco Central relativas ao credito rural e microcrédito, o presidente entidade monetária afirmou que várias medidas foram adotadas para aperfeiçoar a parte do cooperativismo.
— A gente fez uma parte de governança nova, a gente mudou alguns limites, mudou por exemplo a parte de garantias para que os cooperados pudessem usar as garantias. E o mais fundamental: as cooperativas captavam dinheiro através dos bancos. Então a gente fez instrumentos, liberou instrumentos de captação para que a cooperativa pudesse captar seu próprio dinheiro diretamente no mercado, eliminando um intermediário, fazendo que o custo fosse mais baixo.
Em relação ao microcrédito, foram adotadas 19 medidas, salientou o gestor.
— A gente tinha uma burocracia muito grande, só podia abrir contra presencial, a gente tinha um limite que era inviável. A gente viu vários exercícios feitos em comunidades onde a dificuldade para abrir um microcrédito, as vezes o custo de abrir um microcrédito era inviável. Então a gente saiu de um crescimento negativo de 8% do microcrédito em três anos para um crescimento positivo de mais de 20%.
Spread bancário
Segundo o presidente do BC, várias medidas foram tomadas para diminuir o spread bancário — diferença entre os juros que o banco cobra ao emprestar e a taxa que ele mesmo paga ao captar dinheiro.
— São pequenas medidas, são medidas micro que vão tendo efeito cumulativo. (…) Mas o custo de crédito está bem mais baixo, não é? Poderia estar mais baixo? Poderia. Deveria? Deveria. Mas isso mostra o efeito das medidas que foram feitas — disse o presidente do BC.
A senadora Zenaide Maia (PSD-RN) quis saber o porquê de os diretores do Copom serem provenientes somente do mercado financeiro, setor mais beneficiado pela alta de juros. O presidente do BC respondeu a Zenaide que, entre os membros do Copom, dois são de mercado, um é acadêmico e quatro são funcionários da Casa, o que ele considerou bem equilibrado.
— A especulação financeira, para tudo tem um limite. Enquanto o ladrão já me levou um, o banco já me levou três — afirmou a senadora, que também divergiu de Roberto Campos Neto quanto ao papel da flexibilização da reforma trabalhista na “atração de investimentos”, que para ela não se viu.
Credibilidade
O senador Rogério Marinho (PL-RN) afirmou que entre 2015 e 2016 o Brasil teve a maior recessão da história e que “agora estamos com as mesmas práticas e discursos, em que a política de metas foi relativizada em consequência do discurso político”.
— Estamos diante de uma nova proposta, o arcabouço fiscal, em que se divulgou um aporte de mais R$ 150 bilhões e, mesmo assim, não teremos uma estabilidade no crescimento da dívida futura. O aumento da dívida pública vai permitir uma condição clara para reverter a alta da taxa de juros ? — disse Marinho.
Segundo Campos Neto, o Banco Central quer fazer cair os juros, quer aumentar a liquidez na economia, mas sem credibilidade isso pode ter efeito contrário.
Já o senador Cid Gomes comparou a situação do Brasil com os Estados Unidos, onde a inflação em 2022 foi de 6,5%, superior aos 5,8% nacionais.
— Eles praticam 4,5% (a taxa de juros atualmente está em 6,99% para financiamentos) de taxa de juros e o Brasil 13,75% e nós temos três vezes mais desemprego. (…) R$ 510 bilhões seria o que o Brasil teria economizado [em pagamentos de juros da dívida pública] se praticasse a taxa de juros dos Estados Unidos. Isso aqui é o governo, leia-se Banco Central, tirando dos pobres para concentrar nas mãos de ricos — disse Cid Gomes, que usou um quadro negro para apontar os gastos da administração pública com juros e chegou a pedir que Roberto Campos Neto “entregasse o boné”, renunciando ao cargo.
Lembrando que a taxa de juros chegou a 2% valor que não era praticado nem nos Estados Unidos no período da pandemia, gerando superávit que não acontecia há mais de 20 anos no mercado interno. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) assumiu a presidência com a taxa em 6,5% antes da pandemia, em meio a pandemia a taxa de juros caiu para 2% no período de agosto de 2020 a março de 2021. Sendo estudada por países ricos como a economia estava diminuindo o juros de inflação quando todos os países aumentavam ficando com a quarta menor inflação entre os países do G20.
Ao responder, o gestor do BC afirmou que o núcleo da inflação em 2022 foi de 9,12%, percentual muito mais alto hoje, do que em relação à média.
— Temos uma preocupação muito grande com a inflação quando ela é alta. (…) Nós temos um mandato, que é dado pelo governo, e que é de perseguir a meta de inflação que é de 3%.
Aos senadores Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e Augusta Brito (PT-CE), o presidente do BC insistiu que “cair a Selic sem credibilidade não impulsiona o crédito”.
Política fiscal
Para o senador Omar Aziz (PSD-AM), mesmo sendo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto não deveria defender os juros altos. O senador indagou a quem interessa a manutenção dessa política.
Campos Neto respondeu que 40,3% do crédito no Brasil é direcionado, subsidiado. E “quando se dá uma meia entrada”, alguém tem de pagar a diferença.
— Uma forma de atacar isso é diminuir o percentual de juro direcionado — completou o presidente do BC, ao que Omar Aziz respondeu que esses créditos são direcionados ao grande capital, e não aos pequenos empreendedores.
À senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), o gestor confirmou que os juros no Brasil são, sim, mais altos na comparação com a média. Ele afirmou que “se a inflação está caindo mais lentamente do que a gente espera”, o núcleo da inflação está desacelerando, com a meta em 3% e núcleo rodando em torno de 7%.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) salientou que, ao contrário do dito pela oposição, o novo arcabouço fiscal (PLC 93/2023) apresentado pela equipe econômica do governo Lula, apresenta metas de superávit fiscal, o que não houve no governo anterior. E, pelas próprias palavras de Roberto Campos Neto, o superávit pode ajudar a baixar a taxa de juros. Rogério Carvalho disse não ver problemas com as novas regras fiscais.
— Precisamos ter responsabilidade ao estabelecermos a meta de inflação, não pode ser uma camisa de força.
O senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) enfatizou que todos almejam juros baixos, mas que “é bom pensar na taxa de juros como uma consequência”.
— Se a meta projetada está baixa ou alta, depende mais da politica fiscal do que monetária — afirmou Pontes.
O senador Plínio Valério (PSDB-AM), autor da proposta que, ao ser aprovada, deu independência ao Banco Central, frisou que essa foi uma decisão do Congresso, que já vinha sendo discutida havia muito tempo. Ele pediu que Roberto Campos Neto “não entregue o boné”. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) disse ter preocupação com a inflação no setor de alimentos, que acaba por atingir a população mais pobre.
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) declarou que, caso a independência do Banco Central não tivesse sido aprovada, a economia agora estaria em situação pior.
— Se o Banco Central não tem condições de baixar os juros, é do Banco Central a culpa, ou é do governo, que não está fazendo o básico, não está dando o mínimo de expectativa para os investidores, não está trazendo segurança jurídica para o Brasil e têm índices péssimos em todas as áreas? — disse Flávio Bolsonaro, para quem a economia do país caminha para o “precipício”.
Para o senador Irajá (PSD-TO), a cesta da composição do juro real na nossa economia demonstra que a Selic tem uma influência muito modesta; já a TR [taxa referencial] tem uma influência muito maior.
— Não podemos fazer um julgamento que o juros real está alto por conta da Selic. Precisamos elucidar a população brasileira de que existem vários elementos que influenciam. (…) Temos de reconhecer o trabalho que o Banco Central tem feito nesses últimos quatro anos — afirmou.
Fonte: Agência Senado