“O primeiro racismo foi contra indígenas. Depois é que chegaram [ao país] os negros”, que também se tornaram alvo do preconceito e da discriminação. Foi dessa forma que o doutor em educação Aly Orellana resumiu a história dos povos originários do Brasil, ao participar de uma roda de conversa que integra a programação preparada pelo Museu das Culturas Indígenas para o Dia dos Povos Indígenas, celebrado hoje (19).
Conforme mencionou Orellana, amazônida de origem guarani, uma das principais questões em pauta, atualmente, no que diz respeito a indígenas, é a revisão do Estatuto do Índio. Como se sabe, o dispositivo está em vigor desde 1973, ano em que a ditadura militar já estava em curso no país, como destacou o pesquisador e educador. “Tem muita coisa ainda a ser efetivada, implementada”, afirmou no evento.
Também em virtude do que é celebrado nesta quarta-feira, o Ministério dos Povos Indígenas anunciou a criação de dois grupos para debater e propor ações de proteção à parcela sob cuidado da pasta, sendo um deles responsável pela análise do estatuto. O grupo será formado por juristas e irá desenvolver a tarefa ao longo de 180 dias.
Outro foco de tensão citado na roda de conversa do museu foi o fato de que, apesar de muitos povos indígenas já terem concluído o processo de demarcação de suas terras, isso não tem garantido sua segurança. Há povos que habitam desde a Amazônia até o litoral e casos em que lideranças sofrem ameaças de pessoas com interesse em explorar recursos de seus territórios, legal ou ilegalmente.
Na Terra Indígena (TI) Jaraguá, onde há seis aldeias guarani, há relatos de intimidações de invasores a lideranças, que já enfrentam outras dificuldades, como restrições ou mesmo o fim de atividades comuns à sua cultura e ao seu modo de viver, como a pesca, a coleta de alimentos e a roça. Para o cacique da Tekoa Yvy Porã, da TI Jaraguá, Márcio Bogarim, fica nítido o efeito que a destruição de sua cultura provoca em seu povo. “A gente sofre depressão por causa disso, principalmente os jovens. É pisar fora da aldeia e não é aceito”, desabafou. “Para muitos, é doloroso, tanto que poucas pessoas do território falam disso.”
“Vai dando aquela impressão de que o povo indígena foi morar ali depois que a cidade já está formada. Na verdade, a realidade é outra: é a cidade que vai avançando”, acrescentou ele, constatando uma verdade que os registros históricos sobre a capital paulista trazem.
Bogarim pontuou, ainda, que o que acontece fora das aldeias também tem impacto sobre eles, como os ataques a escolas que vêm sendo noticiados. Ele contou que, quando sofreu ameaças, recebeu a recomendação, por parte de autoridades do governo, de que deveria de afastar da aldeia e “esperar [a situação] acalmar” quando sua expectativa era de oferecerem proteção. “Todo tipo de violência nos afeta”, afirmou, destacando que as aulas na escola guarani, que conta com cerca de 300 alunos, foram suspensas. “A violência da cidade acontece também muito dentro do território e parece que o nosso povo sofre mais. Por ser indígena, sofre mais repressão da polícia, preconceito das pessoas que não conhecem nossa cultura. Parece que tudo é mais forte.”